Como construir comunidade de marcas? Um estudo completo sobre Community-Led Growth
- Freitas Netto
- 25 de set.
- 8 min de leitura

Nos últimos anos, ficou cada vez mais evidente que o crescimento das marcas não depende apenas de campanhas publicitárias ou grandes investimentos em mídia. Existe uma transformação silenciosa e muito poderosa que vem mudando a lógica de como empresas conquistam, engajam e retêm seus consumidores: construção de comunidades, ou no termo “marketês”, o Community-Led Growth.
Essa mudança não é por acaso acaso. É uma resposta direta à saturação de estímulos publicitários e à crescente busca por autenticidade. Em um cenário em que as pessoas desconfiam de narrativas excessivamente controladas pelas marcas, surgem espaços coletivos que oferecem algo mais valioso: vínculos reais, troca de experiências e sensação de pertencimento.
Mas a pergunta é: será que as empresas realmente sabem como construir uma comunidade?
Como agregar pessoas dispostas não apenas a consumir, mas a defender, recomendar e cocriar com a marca? Basta criar uma marca incrível que todo mundo vai querer fazer parte dela de alguma forma?
Foi pensando nisso que preparei este artigo, um estudo completo sobre o que motiva as pessoas a se unirem em comunidades, quais são os pilares que sustentam esse movimento e como as marcas podem transformar consumidores em protagonistas de uma narrativa coletiva!
Para além de uma visão empírica de mercado, para esse artigo, usei dois estudos acadêmicos sobre o tema como fundamentação teórica, que disponibilizo no final desse conteúdo. Então, vamos começar!
Da audiência à comunidade
Vamos começar falando sobre Community-Led Growth. Diferente de uma estratégia centrada apenas em comunicação de massa, esse modelo entende que a comunidade, formada por clientes, usuários, fãs ou defensores, pode se tornar motor de crescimento das marcas.
McAlexander, Schouten e Koenig (2002) demonstram que uma comunidade de marca vai além do vínculo consumidor–marca. Na verdade esse modelo se apresenta como um grande ecossistema social, formado por múltiplos laços: consumidor ↔ produto; consumidor ↔ empresa; consumidor ↔ marca; consumidor ↔ outros consumidores.
E o que une todas essas relações sociais e coletivas é um laço simbólico, um grande propósito, maior do que a própria marca. Ou seja, o poder da comunidade está menos na transação e mais nas relações interpessoais e simbólicas que se formam em torno da marca.

Quando isso acontece, a marca deixa de depender exclusivamente da compra de alcance e passa a se apoiar em algo muito mais orgânico: consumidores que não apenas consomem, mas participam, recomendam e ajudam a expandir o ecossistema da marca.
Encontrando o “porquê”: o propósito que une
Um dos pontos mais consistentes nos estudos é que as pessoas não criam comunidade “da marca”, mas sobre o que a marca representa. E essa relação é mútua.
A empresa não constrói comunidade sozinha: ela facilita encontros e experiências que a comunidade se apropria.
Por isso, o primeiro passo é definir o propósito simbólico que gera pertencimento. Membros se unem mais por um sentido compartilhado, propósito, crenças, estilo de vida, valores, do que por características funcionais de produto. Quando a marca consegue dar corpo a esse propósito, transforma consumidores em protagonistas de uma visão de mundo.
Alguns exemplos ajudam a ilustrar esse ponto. A comunidade Harley-Davidson não se uniu apenas pelo motor V-Twin ou pelo design das motos, mas pelo estilo de vida de liberdade e rebeldia que a marca simboliza. Os rallies e encontros de motociclistas se tornaram rituais coletivos que materializam esse propósito.

O mesmo acontece com a Patagonia, cuja comunidade vai muito além das roupas de aventura: o elo central é o ativismo ambiental. O propósito de “salvar o planeta” mobiliza pessoas em campanhas, ações de reciclagem e até boicotes a práticas insustentáveis, transformando o consumo em ato político.
Esse raciocínio também se aplica a movimentos como o CrossFit. Concorda que, mais do que treinos de alta intensidade, o que une milhões de praticantes ao redor do mundo é o propósito de superação coletiva e disciplina, sustentado por rituais de pertencimento e um vocabulário próprio compartilhado entre os membros.
Identificação com as comunidades
A conexão que une consumidores em torno de uma marca vai muito além de afinidade ou gosto pessoal. O engajamento só se torna duradouro quando existem elementos sociais e culturais que reforçam esse pertencimento.
Essa identificação não acontece no vazio: ela se estrutura em três camadas centrais que funcionam como pilares da vida comunitária, garantindo coesão, continuidade e sentido coletivo.
Cognitiva: membros internalizam uma auto-categoria clara, “sou deste grupo”. A partir de propósito, regras simples e fronteiras de pertencimento. Isso dá clareza de identidade e reduz ambiguidades.
Avaliativa: essa filiação gera autoestima coletiva, validada por reconhecimento social, como badges, destaques e celebrações. O prestígio obtido retroalimenta a motivação para contribuir.
Afetiva: emergem vínculos emocionais genuínos entre os membros e com a marca. Rituais, histórias compartilhadas e interações recorrentes transformam consumidores em aliados emocionais, dispostos não só a recomendar, mas a defender a marca em arenas públicas.
O efeito combinado cria um efeito de ancoragem identitária: consumidores deixam de ser clientes transacionais para se perceberem como parte de algo maior, uma comunidade que reforça quem são, como querem ser vistos e os valores que desejam projetar no mundo. É nesse ponto que o consumo transcende a lógica funcional e se transforma em experiência simbólica e cultural.
Por que agora?
O fator decisivo é a mudança de confiança. Uma pesquisa recente mostrou que quase 90% dos consumidores consideram o conteúdo gerado por usuários (UGC) mais autêntico e confiável do que o produzido pelas próprias marcas (Movig). Além disso, 84% afirmam confiar mais em marcas que utilizam UGC (CrowdRiff).
Não à toa, 77% já disseram que decisões de compra foram influenciadas quando esse tipo de conteúdo apareceu em campanhas, e 82% têm mais probabilidade de comprar de marcas que o utilizam de forma consistente (CrowdRiff; Flowbox).
Outro dado relevante: 69% dos consumidores preferem comprar de marcas com as quais interagem em comunidades online (social.plus). E, como reforço, mais da metade das pessoas afirmam que só compram de empresas com as quais compartilham valores e propósito (The Business of Fashion).
O impacto real nas marcas
A lógica de comunidades não se traduz apenas em engajamento. Ela gera resultados concretos: redução do CAC (Custo de Aquisição de Clientes), aumento do LTV (Lifetime Value), crescimento do NPS, maior fidelização e um fluxo constante de feedbacks que alimenta inovação.
Muitas empresas já perceberam que suas comunidades funcionam como verdadeiros laboratórios vivos, capazes de orientar ajustes e até cocriar novos produtos.
Três marcos centrais de uma comunidade
Muniz e O’Guinn (2001) identificaram três marcos centrais que estruturam comunidades fortes, como sinais vitais que indicam quando consumidores deixam de ser apenas clientes isolados e se tornam parte dessa rede viva:
1. Consciência de espécie (consciousness of kind)
É o elemento que dá identidade social ao grupo. Os membros desenvolvem um forte senso de pertencimento coletivo, percebem-se como “nós” em oposição aos “eles” e muitas vezes cultivam lealdade oposicional (Harley-Davidson vs. motos japonesas, Apple vs. Samsung). Essa diferenciação reforça coesão e orgulho.
2. Rituais e tradições
São os hábitos, histórias e símbolos que dão continuidade cultural. Fãs de Star Wars celebram o “May the 4th”, motociclistas Harley compartilham rallies e narrativas de estrada, comunidades online criam gírias e desafios. Esses rituais funcionam como cola cultural, mantendo o grupo unido e gerando memória coletiva.
3. Responsabilidade moral É o cuidado mútuo: acolher novos membros, oferecer suporte técnico, orientar compras, preservar valores. Usuários veteranos que ajudam novatos em fóruns ou fãs que defendem o “verdadeiro espírito” da marca são exemplos claros. Essa responsabilidade garante que a comunidade seja sustentável e acolhedora.
Quando marcas estimulam esses três pontos, não apenas fortalecem laços, mas criam ecossistemas vivos que retroalimentam inovação e fidelidade.
Não é coincidência que comunidades bem estruturadas alcancem 6,8% de taxa média de engajamento por post, quase o dobro do benchmark geral de 3,4% (Single Grain).
O que motiva a participação das pessoas?
Comunidades só se tornam fortes quando atendem às motivações reais dos seus membros. Cinco drivers se destacam:
Busca por informação confiável: conselhos “de iguais” reduzem riscos em decisões de compra e aumentam a confiança.
Aprendizado e desenvolvimento de habilidades: feedbacks, dicas e trocas aceleram a curva de aprendizado.
Paixão pela marca e hobby: engajamento nasce do amor pelo tema e do desejo de projetar uma versão aspiracional de si.
Entretenimento, socialização e reconhecimento social: prazer, vínculos e status simbólico mantêm a comunidade viva.
Canal de voz para críticas e sugestões: quanto maior a identificação, maior a disposição para cobrar, sugerir e influenciar os rumos da marca.
Olhando para essas motivações, qual (ou quais) delas a sua marca poderia incentivar para orquestrar esse ecossistemas em que o valor da comunidade?
Mais do que campanhas, são experiências compartilhadas, eventos, fóruns e encontros, que materializam o pertencimento. McAlexander, Schouten e Koenig (2002) mostram que esses momentos, como eventos, funcionam como rituais coletivos, capazes de reforçar identidade social, autoestima de grupo e memória cultural.
O grande insight aqui é: comunidade não é apenas um canal de comunicação, mas a construção de uma cultura de pertencimento.
O “como”: materializando o pertencimento em experiências
Definido o porquê, o propósito simbólico que une pessoas e que a marca representa, o próximo passo é entender como esse propósito se manifesta na prática. É aqui que entram os espaços e eventos que transformam o vínculo simbólico em experiências concretas, permitindo que consumidores deixem de ser apenas participantes digitais para se tornarem parte de rituais vivenciais.
Nos grupos online, a moralidade coletiva já aparece como suporte técnico, acolhimento de novatos e troca espontânea de ajuda. Mas quando essa energia se traduz em eventos e interações presenciais, ela ganha corpo: acolhimento físico, celebrações de conquistas, trocas cara a cara e rituais coletivos que reafirmam a identidade da comunidade.
Esses momentos não são meramente palcos de lançamento de produtos, mas instâncias de ritualização do pertencimento. Eles transformam a “comunidade abstrata” em uma experiência tangível, um espaço simbólico onde cada membro se sente parte de algo maior.
Formas de conexão
1. Espaços digitais de trocaGrupos exclusivos em plataformas como Instagram ou WhatsApp funcionam como arenas contínuas de interação. Ali, conteúdos colaborativos e exclusivos, desde respostas a perguntas até compartilhamento de histórias pessoais, reforçam identidade coletiva. Além disso, esses espaços permitem condições e ofertas exclusivas, tornando-se hubs de pertencimento cotidiano.
2. Eventos proprietáriosOrganizados pela marca, esses encontros são pontos de convergência da comunidade. Podem ser pequenos (como corridas, aulas de yoga, experiências funcionais ao ar livre) ou maiores (talks com especialistas, ativações esportivas, experiências de sabor).
Também incluem formatos digitais, como lives com desafios e concursos semanais, que ritualizam a cultura da comunidade em tempo real. O valor está em reforçar o consciousness of kind (“somos parte da mesma tribo”), criando memória coletiva e fortalecendo a autoestima de grupo.
3. Eventos patrocinados e ativações externasAqui, a comunidade se projeta em arenas culturais maiores. Marcas podem estar em feiras, convenções ou festivais não apenas com um stand, mas com ativações que celebrem a comunidade (como murais de conquistas, meet-ups exclusivos ou painéis com líderes). Nesses casos, o status dos membros é reforçado: pertencer significa ter acesso a espaços diferenciados.
4. Programas de reconhecimentoReconhecimento é um dos motores mais poderosos de engajamento. A gamificação com desafios mensais, cria motivação contínua. Histórias reais de membros podem virar destaque nos canais oficiais da marca. Programas como premiações, reconhecimento de embaixadores e brindes exclusivos reforçam o orgulho de pertencimento e transformam consumidores em defensores ativos da marca.
Mais do que vender, é sobre pertencer
A conclusão é simples: comunidades não são um apêndice da estratégia, mas um ativo central para o futuro das marcas. Elas dão vida ao que antes era apenas discurso, transformam consumidores em protagonistas e criam narrativas que extrapolam os limites da publicidade tradicional.
Como apontam McAlexander, Schouten e Koenig (2002), comunidades de marca transformam consumidores em co-produtores de significados. É nessa coautoria simbólica que reside a diferença: a marca deixa de ser apenas quem fala, para se tornar quem cria espaço para que histórias coletivas floresçam.
E você, já viveu uma experiência de marca que fez você se sentir parte de uma comunidade?
Fontes do estudo: Artigo Journal of Marketing: MC ALEXANDER, James H.; SCHOUTEN, John W.; KOENIG, Harold F. Building brand community. Journal of Marketing, v. 66, n. 1, p. 38–54, 2002. DOI: https://doi.org/10.1509/jmkg.66.1.38.18451 Artigo Journal of Business Research: LAROCHE, Michel; HABIBI, Mohammad Reza; RICHARD, Marie-Odile. To be or not to be in social media: How brand loyalty is affected by social media? Journal of Business Research, v. 66, n. 9, p. 1483–1491, 2013.DOI: https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2013.02.002
Antônio Netto
Planejamento Estratégico e Consumer Insights
Vencedor do Prêmio Amigos do Mercado 2024 – Planejamento Publicitário
Host do podcast Papo Bizz 🎙️
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