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Economia da Nostalgia: o passado está na moda

  • Foto do escritor: Freitas Netto
    Freitas Netto
  • há 3 dias
  • 7 min de leitura

É engraçado dizer que em um mundo marcado pela velocidade das transformações digitais, dá para perceber que estamos cada vez mais voltados para o passado. A nostalgia, esse sentimento de apego a tempos que já se foram, deixou de ser uma emoção individual para se tornar um fenômeno coletivo.


Das telas de cinema à moda, passando pelas embalagens do produtos e aos “revivals” musicais. A nostalgia se consolidou como força simbólica na cultura pop e no comportamento do consumidor, ao mesmo tempo em que se tornou ferramenta estratégica para marcas que buscam engajar emocionalmente seus públicos.


Vivemos uma era em que o passado virou produto, linguagem e refúgio.

Então, vamos entender um pouco mais sobre esse fenômeno?


Reciclando o passado no mainstream


A cultura pop atual demonstra um forte apego ao passado, com mídias e grandes marcas explorando o saudosismo de maneira explícita, frequentemente retomando estéticas e temas retrô, resgatando referências que evocam décadas passadas.


No Brasil, por exemplo, segundo uma pesquisa da Globo, 73% da população afirma gostar de rever filmes e produções audiovisuais já conhecidas, evidenciando como revisitar o passado virou hábito comum do público.


No cinema e na televisão, a estratégia de revisitar franquias consagradas por meio de reboots, remakes e continuações tem sido amplamente adotada por Hollywood e outras indústrias do entretenimento, conscientes de que o passado funciona como uma verdadeira “mina de ouro emocional” para o público.


Exemplos recentes incluem o retorno de personagens clássicos dos anos 80 e 90 em filmes como Top Gun: Maverick e Matrix Resurrections, bem como especiais nostálgicos como a reunião do elenco de Friends em 2021. 


E a lista de retornos não para de crescer. Além dos blockbusters tradicionais, o apelo nostálgico tem trazido de volta títulos que marcaram o imaginário dos anos 2000. É o caso de Sex and The City, que ganhou nova temporada com o spin-off And Just Like That, e de Meninas Malvadas, relançado em 2024 em versão musical; além da Barbie, que ganhou seu próprio filme e gerou uma mobilização rosa em todo o mundo.


Mais recentemente, surgiram os anúncios de possíveis sequências para Mamma Mia 3 e O Diabo Veste Prada 2 (este último prestes a completar inacreditáveis 20 anos desde sua estreia).


A comoção em torno dessas continuações vai além do entretenimento: ela revela o quanto esses filmes funcionam como cápsulas emocionais de uma época, carregando símbolos, falas e personagens que ainda hoje habitam o repertório coletivo de toda uma geração.


Também ganham espaço os remakes de franquias como Pânico, Jurassic Park e Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado, bem como a onda de adaptações live action dos clássicos da Disney, como A Bela e a Fera, Aladdin e O Rei Leão; e o remake de novelas icônicas na TV Globo, como Pantanal, Renascer e Vale Tudo.


Na música, o retorno ao passado é igualmente evidente. Artistas contemporâneos têm explorado sonoridades que marcaram gerações anteriores, do synth-pop dos anos 80 ao pop punk dos anos 2000, com enorme adesão do público, especialmente daqueles que viveram intensamente essas fases.


A volta do “emo com orgulho” é um bom exemplo: bandas como My Chemical Romance, Blink-182, Paramore e The Smashing Pumpkins anunciaram turnês ou lançaram novos álbuns, algumas esgotando ingressos em minutos. No Brasil, a onda também chegou com força: Sandy & Junior, Rouge, Los Hermanos e Tribalistas realizaram reencontros nostálgicos que mobilizaram multidões.


Paralelamente, a moda abraçou com entusiasmo o estilo retrô. A tendência Y2K, com calças de cintura baixa, tênis com salto, gloss labial, óculos coloridos e peças com estética dos anos 2000, voltou às ruas e às vitrines. Grandes marcas relançaram coleções inspiradas em décadas passadas, recuperando cortes clássicos, logos antigos e estampas saudosistas. E até os “tênis horríveis com salto” da época reapareceram. O movimento reforça como essas peças carregam não apenas estilo, mas memória emocional.


No universo dos games e da tecnologia, o passado também virou mercadoria. Consoles clássicos como Nintendo 64 e PlayStation 1 ganharam versões “mini”, enquanto jogos icônicos como Crash Bandicoot, Tony Hawk Pro Skater e Resident Evil 2 foram remasterizados, atualizando os gráficos, mas mantendo a essência original do gameplay. Até celulares dobráveis no estilo “flip phone” estão reaparecendo, mesclando estética vintage com funções modernas.


Esse resgate também acontece fora das telas: discos de vinil voltaram a ser desejados entre colecionadores e jovens consumidores; câmeras digitais, Polaroids e até descartáveis ressurgiram como tendência, inclusive sendo usadas em ativações de marca e registros de eventos. Um dos exemplos citados por um dos meus seguidores foi o uso crescente de impressão de fotos em papel filme como parte da experiência em ações de marketing em eventos.


O marketing, por sua vez, está bem de olho nessa transformação do passado em estratégia de marca. Produtos clássicos estão sendo relançados, identidades visuais antigas ressurgem, jingles históricos voltam às campanhas, e personagens esquecidos ganham nova vida. Um dos casos recentes que ilustra bem essa tendência foi o relançamento da estética dos “mamíferos” da Parmalat pela marca NotMilk, em uma campanha bem-humorada que mesclou crítica e nostalgia.


A Coca-Cola resgatou embalagens dos anos 80, enquanto o Guaraná Antarctica trouxe de volta a famosa “litrinho” com visual retrô. Redes de fast-food também embarcaram na onda, reativando mascotes ou relançando sanduíches icônicos como “edições nostalgia”.


Essas ações não apenas evocam memórias afetivas, mas constroem conexões emocionais profundas com diferentes gerações, reafirmando que, em um mercado saturado de estímulos, o passado oferece um diferencial potente de afeto, pertencimento e identidade.


Importante notar que não se trata apenas de repetir velhos sucessos. Muitas vezes há um esforço de ressignificar o passado para o contexto atual. Especialistas têm até cunhado termos como “fun-stalgia” e “neostalgia” para descrever fenômenos em que elementos nostálgicos vêm combinados a novidades, gerando algo simultaneamente novo e familiar.


Assim, a nostalgia na cultura mainstream atual funciona como um diálogo entre épocas: um remix cultural que recicla ícones e estilos passados, adequando aos valores e tecnologias do presente. 


Não surpreende, portanto, que temáticas nostálgicas tenham movimentado bilhões de interações nas redes sociais. Só em 2023, estima-se que conteúdos nostálgicos geraram cerca de R$ 1,7 bilhão em engajamento online no Brasil, segundo um estudo da Globo. 


Mas, por que ansiamos o passado?


O sucesso da nostalgia na cultura pop está intimamente ligado a fatores sociais e psicológicos do mundo contemporâneo. Nos últimos anos, marcados por crises globais, rápidas mudanças e incertezas, as pessoas têm encontrado no passado um refúgio emocional.


Durante a pandemia de Covid-19, por exemplo, houve um aumento notável de comportamentos nostálgicos: mais da metade dos consumidores relataram ter buscado conforto revisitando programas de TV e músicas da juventude durante o isolamento, segundo uma matéria da National Geographic Brasil.


Para psicólogos, esse movimento é uma reação natural em tempos de estresse coletivo. Vários fatores psicossociais ajudam a explicar esse movimento.


Estudos mostram que a nostalgia atua como um mecanismo de enfrentamento psicológico: recordar momentos felizes do passado ajuda a reduzir a angústia do presente e a aliviar a ansiedade. Em tempos de caos, resgatar memórias do que já foi vivido traz uma sensação de continuidade e ordem.


Além disso, a nostalgia cumpre um papel relevante na construção da identidade individual e coletiva.

Relembrar épocas passadas ajuda a reforçar a autoestima e a sensação de coerência ao longo da vida, permitindo que o passado se conecte de forma simbólica ao presente.


As memórias mais marcantes geralmente envolvem pessoas queridas (familiares, amigos de infância, colegas da escola), o que ativa sentimentos de pertencimento e conexão social. Pesquisas indicam que a nostalgia pode atenuar a solidão e fortalecer vínculos, inclusive em contextos culturais amplos, como shows de bandas antigas ou convenções de fãs de séries clássicas.


No ambiente digital, comunidades nostálgicas se multiplicam: grupos de “anos 90”, perfis que resgatam brinquedos, comerciais e modas de outras décadas criam pontes afetivas entre desconhecidos que compartilham as mesmas referências. É como se, ao lembrar juntos, as pessoas reafirmassem quem são e com quem pertencem.


As redes sociais, por sua vez, desempenham um papel central na amplificação desse saudosismo coletivo. Se a nostalgia sempre existiu, o ambiente digital a turbinou.


Memes, desafios nostálgicos, filtros com estética retrô e montagens com fotos antigas viralizam com facilidade, alimentando uma cadeia forte emocional. Surgem, assim, tendências como o “nostalgia-core” no TikTok, em que vídeos são editados com músicas e imagens de décadas passadas, evocando emoções mesmo em quem nunca viveu aqueles tempos.


E aqui vem um fator muito curioso! O fenômeno de “nostalgia emprestada”: jovens que nasceram nos anos 2000 sentem saudades simbólicas dos anos 80 ou 90, influenciados pela estética e pelas narrativas disseminadas na cultura digital.


A nostalgia, portanto, não é apenas uma lembrança, mas se tornou também uma forma ativa de expressão criativa, um filtro emocional para dar sentido ao presente.

Por fim, é importante ainda reconhecer um fenômeno que os psicólogos chamam de viés de nostalgia seletiva, um mecanismo cognitivo que distorce a realidade com certo romantismo. Nossa memória tende a filtrar os aspectos negativos do passado e exaltar o que foi positivo, criando uma espécie de “efeito lente cor-de-rosa”.


Nas redes sociais, isso se traduz em postagens que resgatam momentos felizes, sorrisos e celebrações, ignorando os problemas e perrengues daquela mesma época. Essa idealização contribui para o surgimento de mitos sobre “tempos melhores”, especialmente em momentos de transformações aceleradas.


Em certos contextos, esse olhar nostálgico pode alimentar movimentos culturais e até discursos políticos, como quando campanhas prometem “recuperar a grandeza do passado”, apelando à memória afetiva de uma era supostamente ideal.


Trata-se do lado restaurador da nostalgia: um desejo de reviver ou recriar aquilo que se perdeu. Mas, como todo sentimento idealizado, ele pode tanto confortar quanto cegar.



Depois de tudo isso, me peguei com uma provocação na cabeça e quero a sua opinião:


Será que, ao mesmo tempo em que adultos se refugiam no passado e, por outro lado, as crianças são lançadas precocemente ao universo adulto das redes sociais, não estamos criando uma geração que está perdendo a chance de construir sua própria identidade cultural?


Em um ambiente digital onde tudo é efêmero, onde as tendências nascem e morrem em velocidade absurda e as estéticas se reciclam em loop, sobra espaço para o surgimento de um repertório simbólico e identitário realmente profundo?


Será que essa pressa de consumo e a ausência de raízes explicam tanto a necessidade de resgatar o passado?


Deixa aí a sua opinião!



Antônio Netto

Planejamento Estratégico e Consumer Insights

Vencedor do Prêmio Amigos do Mercado 2024 – Planejamento Publicitário

Host do podcast Papo Bizz 🎙️


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