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“Vídeos satisfatórios”: o prazer estranho que prende a atenção

  • Foto do escritor: Freitas Netto
    Freitas Netto
  • há 5 dias
  • 5 min de leitura

Você, com certeza, sabe do que eu estou falando, né?!


Vídeos de extração de cravos e espinhas, limpeza de piscinas verdes, faxinas pesadas eliminando sujeira incrustada, corte de grama alta, lavagem de tapetes encardidos, limpeza e manutenção de lápides de cemitério, tratamento de cascos de cavalo ou organização obsessiva de gavetas e geladeiras. Faltou algum?


Por mais que provoquem “nojinho” ou repulsa inicial, alguns desses vídeos ultrapassam 10 milhões de visualizações e recebem comentários de espectadores relatando o quão “gratificante” é assistir.


Em comum, todos esses conteúdos nos provocam uma mistura de sensações: certo nojo, mas também… prazer. Cenas que muitos classificariam como repulsivas, como a de cravos, espinhas ou cirurgias, mas que prendem a atenção.


Em plena economia da atenção, esse fenômeno desperta tanto curiosidade científica quanto interesse de profissionais de marketing.


Mas afinal, o que explica esse fenômeno? Por que não conseguimos parar de olhar esse vídeos que prendem tanto a nossa atenção nas redes sociais?

Outro dia vi um post no Instagram sobre isso e resolvi me aprofundar no assunto. Encontrei algumas explicações científicas e estudos sobre esse estranho prazer.


Pesquisas em neuroimagem funcional mostram que assistir à resolução de algo tenso ou repulsivo ativa, pasmem, os mesmos circuitos cerebrais que buscamos em situações prazerosas.


Um estudo de 2021, por exemplo, observou que mulheres que gostam de vídeos de extração de espinhas têm maior tolerância ao nojo e conseguem manter o “núcleo accumbens” mais ativo do que aquelas que não suportam esse tipo de conteúdo. Essa área cerebral é responsável pelo sentimento de prazer e também envolvida em evitar experiências aversivas.


Esse equilíbrio se traduz na química cerebral. A dopamina, popularmente chamada de "hormônio do prazer”, é provavelmente liberada durante o clímax “satisfatório” dessas cenas.


Neuropsicólogos comparam a expectativa de ver a resolução, o prazer na antecipação do momento em que o cravo vai sair, a sujeira vai desaparecer ou o piso encardido vai se revelar limpo, a um pequeno rush de recompensa.


No contexto do vídeo, assistir a um profissional remover aquela “imperfeição” causa um alívio vicário, um prazer pelo alívio da tensão, isso, acompanhado por dopamina e outros neurotransmissores do bem-estar.


Mesmo sem estarmos em perigo ou fazendo algo de útil de fato, o cérebro nos brinda com um pequeno prazer por presenciar a “missão cumprida”.


Psicólogos citam o Efeito Zeigarnik, nossa tendência a fixar atenção em tarefas inacabadas: acompanhar a limpeza até o final dá ao cérebro uma gratificação por fechamento de ciclo. Quando finalmente vemos tudo brilhando, temos um minirrecompensa dopaminérgica por ver a tarefa “cumprida”.


O mesmo mecanismo ocorre ao vermos um casco de cavalo sendo limpo, um sabonete sendo cortado perfeitamente, ou uma prensa hidráulica esmagando objetos. É como se nosso cérebro recebesse uma pequena recompensa química por presenciar uma microordem emergindo do caos.


O “Masoquismo Benigno”


Para entender por que buscamos voluntariamente estímulos que causam repulsa ou aflição, a psicologia oferece o conceito de “masoquismo benigno”, cunhado pelo professor Paul Rozin, da Universidade da Pensilvânia.


É o mesmo mecanismo que nos faz gostar de comida apimentada, filmes de terror ou montanhas-russas. Não sentimos prazer apesar do desconforto, mas justamente por ele.


Quando vemos um tapete imundo sendo esfregado, uma lápide coberta de mato sendo restaurada ou uma geladeira completamente desorganizada virando um mostruário de potes alinhados, o cérebro passa por uma sequência de repulsa, tensão e alívio. E isso é prazeroso.


O "nojinho" é ativado, mas como estamos seguros do outro lado da tela, ele se transforma em catarse. Ao final do vídeo, sentimos um leve bem-estar emocional, como se tívessemos vencido uma pequena batalha. O desconforto está sob controle. 


É o “gostar do desgostar”: nosso corpo é enganado a reagir com nojo, medo ou dor em certa medida, mas nossa mente sabe que é brincadeira. Essa consciência (“estou seguro, apesar do frio na barriga”) produz um prazer peculiar, descrito por Rozin como o deleite de sentir “a mente triunfar sobre o corpo”.


Curiosidade mórbida e os estímulos visuais


Outra peça desse quebra-cabeça é nossa curiosidade inata por coisas perturbadoras. Pesquisadores como o neurocientista Dean Burnett argumentam que a curiosidade mórbida faz parte da nossa evolução.


Olhar para o que é sujo, errado ou grotesco foi uma forma de aprender com os erros dos outros sem precisar passar por eles. Quando assistimos um vídeo de cirurgia ou uma limpeza de uma imundície inacreditável, como a de uma piscina, uma casa ou um casco de cavalo, talvez estejamos testando nossos limites emocionais.


“Levamos nossas emoções para um test-drive”, conforme diz Curtis, para ver como reagiríamos se encontrássemos aquilo de verdade.


Esse impulso visual por "ver o que não se vê" alimenta uma curiosidade ancestral. Mesmo que o conteúdo não seja mais sobre sobrevivência, ele ainda satisfaz um desejo profundo de compreensão sensorial e visual do mundo.


E é isso que torna esses vídeos tão viciantes: eles entregam uma narrativa concreta, fácil de entender, com problema, solução e recompensa emocional imediata.


No caso dos vídeos de “nojo satisfatório”, os expectadores tendem a ter uma curiosidade mórbida mais acentuada, se sentindo recompensados por ver algo que muitos não aguentariam ver.


Importante notar: tudo isso funciona porque a dose de repulsa é moderada. Se o conteúdo for extremo a ponto de causar náusea ou medo insuportável, o encanto se quebra.


O sucesso viral desses vídeos está justamente em dosar a repulsa na medida certa,  suficientemente “ugh!” para ser excitante, mas não a ponto de fechar os olhos ou pular a cena. Ficamos num limiar de desconforto tolerável que paradoxalmente nos diverte e prende.


Economia da atenção e oportunidades para marcas e criadores


Em um mar de conteúdo disputando nossa atenção, poucas coisas capturam tão imediatamente o olhar quanto uma imagem de um cravo enorme prestes a ser extraído, ou um antes/depois de um piso imundo que promete ficar impecável. Há um elemento de surpresa e choque (emoções potentes que impulsionam compartilhamentos online).


Além da prisão da atenção inicial, esses vídeos mantêm as pessoas assistindo até o final graças à narrativa implícita de antecipação e recompensa.


E os algoritmos das redes sociais valorizam a retenção de público e tempo de visualização (métricas em que esse conteúdo é campeão). Afinal, quem começa a ver uma espinha gigante surgir dificilmente pausa antes de ver a “explosão” final. Quem dá play em um timelapse de limpeza quer ver o resultado reluzente.


E óbvio que marcas e creators já têm explorado isso, né? Você já deve ter visto alguns conteúdos em reles ou TikTok em que a tela é dividida entre alguém falando algo sobre seu negócio ou um pensamento relevante e, na outra metade, uma cena algum “vídeo satisfatório”.


É o cúmulo do estímulo visual sendo usado na tentativa de te fazer, também, ouvir a outra mensagem que está sendo passada. O caso da era da hiperatenção.


Mas, isso não significa que essa estratégia precisa ser, necessariamente, usada para seu negócio. Aqui talvez fique uma outra dica. Entender o ciclo: caos – intervenção – alívio. Ou, no bom storytelling: problema – tensão – solução.


Criar conteúdos que explorem esse ciclo pode significar maior retenção e engajamento. O importante é criar uma experiência que combine repulsa leve com recompensa emocional clara.


Ao provocar o espectador sem agredi-lo, oferecendo a ele uma sensação de alívio ao final, a marca não só prende a atenção: ela fica na memória.


 

Antônio Netto

Planejamento Estratégico e Consumer Insights

Vencedor do Prêmio Amigos do Mercado 2024 – Planejamento Publicitário

Host do podcast Papo Bizz 🎙️


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