A estética do cassino no e-commerce: quando a compra vira entretenimento
- Freitas Netto
- 28 de jul.
- 6 min de leitura

A gamificação (ou gamification) já faz parte da sua rotina e talvez você nem perceba. Essa estratégia, que consiste em aplicar elementos e dinâmicas de jogos em contextos que não são propriamente jogos, está espalhada por praticamente todos os aplicativos e plataformas que usamos.
Quando você abre o iFood e vê aquela barrinha de progresso indicando que falta apenas alguns reais para desbloquear um cupom ou o frete grátis, está é uma mecânica de gamificação.

Quando o aplicativo de um supermercado, como do Carrefour, mostra que você está a poucos pontos de liberar uma oferta exclusiva ou cashback, mais um exemplo claro.

Até no TikTok, quando você acumula moedas e bônus de acordo com seu tempo de consumo de vídeos, é a gamificação operando para te manter engajado.

Esses elementos, como pontuações, barras de progresso, desafios, recompensas, atuam explorando princípios psicológicos conhecidos: o desejo de conquista, a sensação de progresso e a expectativa de recompensa. Com isso, criam experiências mais envolventes e fidelizam consumidores que passam a enxergar tarefas cotidianas como algo lúdico e prazeroso.
O Next Level: quando o e-commerce abraça a estética dos cassinos
Mas se a gamificação tradicional já está consolidada, o que algumas marcas estão fazendo agora é dar um passo além. Estamos falando de uma camada estética e funcional que transforma o ato de comprar em algo muito próximo do ato de apostar. Não é mais simplesmente sobre acompanhar uma barra de progresso ou desbloquear um desconto, é sobre vivenciar uma experiência que remete a um cassino virtual.
Aplicativos e plataformas de fidelidade vêm incorporando elementos como roletas de prêmios, baús misteriosos, cartas da sorte, cashback em formato de moedas e tarefas diárias com recompensas variáveis.
Tudo isso embalado por animações vibrantes, luzes pulsantes e efeitos sonoros que lembram máquinas caça‑níqueis.
O objetivo é claro: intensificar a emoção da compra e provocar aquela sensação de risco e recompensa que caracteriza os jogos de azar.

E você já deve ter visto bem essa estética! Um exemplo emblemático dessa tendência é o aplicativo da Temu. Ao abrir o aplicativo, você não tem a sensação de entrar em uma loja online tradicional.
Parece que acabou de entrar em um cassino digital: há roletas girando, cupons relâmpago explodindo na tela, cronômetros regressivos indicando que uma oferta vai sumir a qualquer instante e preços tão baixos que beiram o surreal.

Não por acaso, essa combinação de gamificação com estética de apostas levou a Temu a um crescimento meteórico. Em apenas 12 meses, o app saltou do anonimato para o topo dos downloads de compras no Brasil, superando gigantes como Amazon.
Segundo dados divulgados pelo E‑Commerce Update, em março de 2025, a Temu atingiu aproximadamente 216 milhões de acessos no Brasil, ultrapassando a Amazon, com cerca de 19 milhões de visitas a mais naquele mês.
De acordo com o Relatório Setores do E‑commerce do Brasil, da consultoria Conversion, em maio de 2025 a Temu recebeu cerca de 250 milhões de acessos via site no Brasil, ultrapassando o Mercado Livre em visitas por web.
Essa fórmula não é inédita. A Temu é fruto da expansão da PDD, gigante chinesa que já havia revolucionado o consumo em áreas rurais da China, atraindo especialmente consumidores de renda mais baixa ao transformar o ato de comprar em entretenimento.
A estratégia foi tão bem-sucedida que, em 2018, a PDD abriu capital na Nasdaq e, em 2022, iniciou a internacionalização com a Temu.
Por que as marcas estão seguindo por esse caminho?
O raciocínio por trás dessa estratégia está ancorado em mecanismos psicológicos poderosos. O cérebro humano responde de maneira intensa a estímulos de risco e recompensa. Quando você gira uma roleta digital sem saber qual desconto vai ganhar, o sistema de recompensa do cérebro é ativado, liberando dopamina e criando uma experiência de compra memorável e viciante.
Além disso, essa abordagem aumenta o tempo de navegação nos aplicativos e reduz o abandono de carrinho, já que o usuário está emocionalmente envolvido em “jogar” e não apenas em “comprar”. Ao criar jornadas mais dinâmicas, as marcas também coletam dados comportamentais preciosos para personalizar ainda mais suas ofertas.
Não é apenas uma questão de vender mais, mas de criar um vínculo emocional com o consumidor. A sensação de desafio, a possibilidade de ganhar algo inesperado e o prazer instantâneo de uma recompensa tornam a compra menos racional e mais impulsiva – e isso, para o varejo, é ouro puro.
No livro “Neuromarketing: como a neurociência aliada ao design pode aumentar o engajamento e a influência sobre os consumidores” (recomendo muito a leitura), Darren Bridger destaca como o design que considera as reações não-conscientes do consumidor pode gerar engajamento profundo e influência persuasiva sobre comportamento de compra.
Princípios como processing fluency (facilidade de processamento visual), visual saliency (elementos que naturalmente capturam atenção) e gatilhos emocionais inconscientes são aplicados para guiar a percepção e as decisões dos usuários.
Quando a interface de uma plataforma como a Temu utiliza roletas giratórias, contadores regressivos e cores vibrantes, ela não está apenas oferecendo um desconto, está acionando esses mecanismos neuroestéticos descritos por Bridger, alinhando forma e função de maneira persuasiva.
Além disso, Bridger explora como a economia comportamental aplicada ao design influencia escolhas: o uso de escassez, urgência e recompensas aleatórias ativam dinâmicas de reforço intermitente. Isso significa que cada elemento visual, som de vitória ou interação incerta (como girar uma roleta para descobrir um desconto) não é arbitrário, é projetado para estimular liberação de dopamina e prolongar a sensação de prazer e expectativa.
Essa perspectiva ajuda a explicar o crescimento meteórico da Temu e de outras plataformas: seus layouts não apenas vendem produtos, mas entregam experiências sensoriais que atuam diretamente no cérebro do consumidor, transformando consumo em entretenimento e engajamento em padrão de comportamento.
Os riscos de transformar o ato de comprar em entretenimento
Mas nem tudo são flores. Transformar a compra em um jogo de recompensas aleatórias traz riscos significativos. Quando a estética do cassino e as mecânicas de reforço intermitente entram em cena, os consumidores são expostos a estímulos semelhantes aos de jogos de azar. Isso pode levar a comportamentos compulsivos e até a um consumo descontrolado.
A discussão não é apenas teórica. Um dos exemplos mais emblemáticos desse tipo de mecânica são as chamadas loot boxes, popularizadas em jogos digitais como FIFA Ultimate Team, Overwatch e Counter-Strike. As loot boxes funcionam como caixas-surpresa que o jogador pode comprar (com dinheiro real ou moedas virtuais) sem saber exatamente o que vai receber.
Dentro, podem estar itens cosméticos ou recursos que afetam diretamente o desempenho no jogo, mas o conteúdo é aleatório, o que incentiva o usuário a repetir a compra na esperança de obter algo mais valioso. Essa lógica de recompensa incerta é justamente o que aproxima as loot boxes dos jogos de aposta, e por isso elas foram proibidas para menores em países como Bélgica e Holanda.
Essa preocupação ganha ainda mais relevância no Brasil, que vive uma verdadeira febre de apostas esportivas. A popularização das “bets” e “tigrinhos“ moldou um imaginário coletivo em que o risco calculado e a recompensa imediata se tornaram parte do entretenimento diário de milhões de pessoas.
Quando esse mesmo imaginário é importado para o varejo digital, surgem questões éticas: até que ponto é saudável transformar o consumo em um jogo? Como proteger públicos mais vulneráveis, como jovens e pessoas com maior propensão a comportamentos compulsivos?
Tendência poderosa, mas que exige responsabilidade
A gamificação já se mostrou ser uma ferramenta poderosa para engajar consumidores, e a estética de cassino adiciona uma camada extra de excitação e retenção. O sucesso de plataformas como a Temu prova que esse caminho pode gerar resultados impressionantes em termos de crescimento e faturamento. Mas também abre um debate sobre responsabilidade e limites éticos.
O futuro do e‑commerce passa por experiências cada vez mais imersivas e lúdicas, mas as marcas que quiserem se destacar de maneira sustentável precisarão equilibrar inovação com responsabilidade, garantindo que o jogo não vire um problema.
E você? Já sentiu essa sensação de “estar em um cassino” enquanto navegava em um app de compras?
Compartilhe sua experiência e vamos juntos refletir sobre os caminhos (e os limites) dessa nova era do comércio digital.
Antônio Netto
Planejamento Estratégico e Consumer Insights
Vencedor do Prêmio Amigos do Mercado 2024 – Planejamento Publicitário
Host do podcast Papo Bizz 🎙️
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